Na véspera de Natal foi publicado no jornal O Globo um artigo escrito por mim sobre as recentes mudanças no setor elétrico. Para quem não leu, o artigo segue reproduzido abaixo.
Semeando incertezas
As recentes medidas do governo para reduzir o custo da energia elétrica no
Brasil já foram alvo de intenso debate e muita controvérsia. Boa parte
da discussão se deu em torno do conteúdo das medidas, ou seja, dos
efeitos que as novas regras, por si, teriam no setor. Entretanto, tão
importantes quanto o teor das medidas, são os aspectos relativos à forma
como elas foram anunciadas.
Os ativos envolvidos na
prestação de serviços de infraestrutura não podem ser facilmente
alocados para outros usos. Uma vez que o investimento já foi feito, os
governos se sentem tentados a extrair condições mais vantajosas do que
aquelas acordadas inicialmente. Quando os investidores anteveem essa
possibilidade, ajustam suas expectativas, reduzindo o nível de
investimento. Trata-se do risco regulatório.
As normas de
funcionamento dos setores de infraestrutura, definidas pelo arcabouço
legal e pelos contratos de concessão, são muito importantes para
minimizar o risco regulatório. Mas não são suficientes. É preciso também
uma governança regulatória adequada.
Entre outras medidas, o
governo deve buscar emitir os sinais corretos e evitar ruídos na
comunicação de suas decisões. Principalmente daquelas que têm impacto na
taxa de retorno dos investimentos.
Embora um bom ambiente
regulatório deva minimizar o grau de discricionariedade, decisões do
governo em setores regulados sempre têm algum nível de arbitrariedade.
Além disso, dificilmente envolvem situações em que todos ganham. Sendo
assim, é importante que o processo decisório seja considerado "legítimo"
ou "justo" por todas as partes interessadas. Todos os agentes afetados
pela decisão - empresas e consumidores - devem ser envolvidos e
consultados.
Nesse sentido, a
publicação com antecedência de estudos que sustentam as decisões e a
realização de consultas e audiências públicas são mecanismos
consagrados. Esses procedimentos ajudam a ancorar as expectativas dos
investidores e dão mais transparência às decisões, reduzindo a percepção
de risco regulatório por partes dos agentes econômicos.
Nada disso foi feito no
âmbito das recentes medidas no setor elétrico. Não por acaso, criou-se a
partir do seu anúncio um ambiente de incerteza e volatilidade, que em
nada ajudou no processo e que tirou o foco dos pontos essenciais da
discussão.
É inegável que o custo
da energia é um dos principais entraves ao crescimento sustentado do
Brasil e que é urgente reduzi-lo. Entretanto, é preciso atenção aos
detalhes. Se o governo pretende atrair o investimento privado para o
setor de energia no Brasil - e é importante que o faça - deve estar
atento não somente às normas em si, mas também à governança regulatória.
O mesmo vale para os demais setores de infraestrutura. Nesse sentido,
particular atenção deve ser dada aos ritos e procedimentos envolvidos na
proposição e na mudança das regras. O conteúdo é essencial, mas a forma
também é importante.
Quem nos carrega é o mar
Há 2 anos
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